segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O Concelho do Seixal e a Fábrica de Lanifícios de Arrentela em 1862

Fonte: Archivo Pittoresco, Volume 5, 1862, pp. 164-167

FABRICA DE LANIFICIOS DA ARRENTELLA.

A fabrica de lanifícios que a nossa estampa representa desenhada do sitio mais frondoso e pittoresco com ser a mais recente de todas quantas ha hoje no districto de Lisboa tem já grande reputação no mercado pela variedade e perfeito acabamento dos seus productos.

Antes de darmos noticia da fábrica desejará o leitor conhecer o sitio onde ella está estabelecida qual é o logar da Arrentella na villa do Seixal outrora afamada pelas muitas quintas que alli tinha a nossa fidalguia e os frades excellentes brévias.

Devemos ao sr. Manuel Teixeira de Sousa acreditado facultativo d’aquella villa a resenha que se segue:

«O concelho do Seixal está situado na margem esquerda do Tejo fronteiro a Lisboa de que dista duas legoas. Consta de quatro freguezias a de NS da Conceição do Seixal, a de NS da Consolação da Arrentella, a de NS da Anunnciada da aldeia de Paio Pires e a de NS do Monte Sião da Amora. É povoado por 5.069 indivíduos distribuídos por 1.475 fogos.

As primeiras três freguezias estão assentadas num tracto de terra de forma mais ou menos regularmente triangular estendendo se de N a S uma legoa e de L a SE outro tanto pouco mais ou menos incluindo os casaes e pinhal que pertencem ás mesmas freguezias.

A villa do Seixal que é cabeça do concelho está situada na extremidade norte junto da praia banhada pelas aguas do Tejo que ahi fazem uma enseada a qual bifurcando se vae com uma das bifurcações para SE até se encontrar com as aguas do rio do Judeu e com a outra dirigida para noroeste banha a freguezia de Amora até expirar em Corroios Tem duas ruas principaes de forma semicircular com a convexidade para o norte e a concavidade para o sul algumas pequenas travessas e becos com dois ou três largos de pequena capacidade.

É formada por 603 fogos habitados por 1.125 indivíduos do sexo masculino e 1.106 do sexo feminino.

Não tem edifícios notáveis pelo contrario quasi todas as construcções são acanhadas e muitas sem condições de salubridade. Possue três fábricas de productos chimicos pertencente a Padrel & C pouco estabelecida, outra de sabão pelo processo hespanhol e outra de sola antiga e notável pelo seu bom fabrico.

Os habitantes do Seixal quasi todos se empregam na pesca fora da barra. Muito poucos são fazendeiros e ainda menos artistas.


Partindo do Seixal para sueste ao longo da banhada por um dos ramos da bifurcação da enseada fica a um quarto de legoa pouco mais ou menos logar da Arrentella situado numa encosta onde a maior parte dos habitantes da freguezia e a metros mais para SO está um logarejo chamado Torre da Marinha hoje notavel porque em suas faldas está edificada a fabrica que a estampa representa. Este logarejo com o logar da Arrentella e alguns casaes disseminados pelo Sul contém 338 fogos com 514 individuos do sexo masculino e 432 feminino. Os seus edifícios são também muito acanhados espalhados sem ordem e com tal irregularidade que nem formam o que se possa chamar uma rua.

No caminho do Seixal para a Torre encontra a quinta de Paulo Jorge onde está edificada a fábrica de productos chimicos, logo adiante a do Oiteiro pertencente a João Coelho de Abreu, em seguida a Val de Grou ou da Fidalga pertencente a Manuel Gama, a das Cavaquinhas e a do Cabral que estão mesmo no logar da Arrentella. Daqui até á Torre há mais pequenas propriedades pertencentes a diversos. Para o sul tanto do Seixal como da Arrentella há differentes quintas e muitos casaes com fazendas annexas.

A freguezia da Arrentella ainda se estende para sueste obra de tres quartos de legoa tudo pinhal que foi dos frades Jeronymos e hoje pertencente a herdeiros de Abraham Wheelhouse. Os seus habitantes quasi que exclusivamente se empregam na indústria agrícola.

Partindo do Seixal para léste encontra se a quinta de D. Maria onde existe a fabrica de sola que já mencionámos em seguida a da Trindade e ultimamente uma ponta de terra que entra pelas águas do Tejo e constitue o chamado rio de Coina onde estão situados dois grandes armazéns do estado e na praia contígua muita madeira sotterrada para construcções navaes. A este logar chama-se Azinheira. Voltando deste ponto para o sul segue o rio de Coina na extensão de uma legoa em cuja margem se notam algumas intercepções devidas a pequenas enseadas que faz o mesmo rio e que dão serventia pública e particular a differentes quintas que estão na ordem seguinte: Parte da dita quinta da Trindade, a dos Paulistas, duas azenhas de água salgada com quatorze pedras para moagem de trigos, a do Álamo, a da Madre de Deus com uma azenha também de oito pedras, a quinta do Descanço, a dos Loureiros, a da Ponte, a do Portinho, a de D. Maria (freguezia de aldeia de Paio Pires), a quinta das Cannas, a do Leilão, a do Lima, a da Palmeira, com uma azenha de sete ou oito pedras, a do Brejo (em Cucena), a Cabo da Linha, a Quinta Nova com um lagar de azeite. Segue se um pequeno tracto de pinhal que vai terminar junto de uma azenha chamada de José Moto onde finalisa por este lado o concelho. Quasi estas quintas nada tem de notável a não ser a deterioração de algumas e o pouco ou nenhum lucro de todas.

A freguezia de aldeia de Paio Pires está collocada nesta margem e começa no sitio de desembarque chamado o Portinho onde já notámos a quinta do mesmo nome. Está assente numa pequena eminência lançada de leste a oeste tem uma só rua tortuosa; os prédios têm mais alguma regularidade e condições de salubridade. É aqui onde habita o maior numero de gente achando-se o resto disseminado por differentes e pouco importantes quintas e casaes ao sul e oeste. Tem 259 fogos 562 habitantes do sexo masculino e 527 do feminino empregando-se todos na lavoira.

Como se vê por esta resenha estas tres freguezias formam um triangulo estando a do Seixal na extremidade norte a da Arrentella na de sueste e a de aldeia de Paio Pires na extremidade de leste. Distam umas das outras um quarto de legoa pouco mais ou menos.

A freguezia da Amora fica fronteira á da Arrentella de que está separada em parte pela enseada do Tejo de que já fallamos que começa no Seixal e vae terminar por uma das suas bifurcações na fabrica de lanificios e em parte por um pequeno regato que chamam rio do Judeo o qual passa junto da mesma fabrica e lhe fornece as suas aguas. Esta freguezia pelo lado do sul e nascente é banhada pelas aguas de que ha pouco fizemos menção e pelas da outra bifurcação da mesma enseada que dirigindo se para noroeste vae terminar no logar de Corroios junto d’uma azenha de 8 pedras. A sua população é de 562 habitantes do sexo masculino e 527 do feminino habitando 279 fogos disseminados por uma área de meia legoa de norte a sul e outro tanto de leste a oeste pouco mais ou menos sem symetria nem arruamento. Tem hoje uma fabrica de moagem e descasque d arroz a vapor.

Pelas orlas das enseadas há differentes quintas de pouca notoriedade exceptuando a de S. Alteza a Serenissima Senhora D. Isabel Maria ao noroeste da freguezia para as bandas de Corroios onde se nota bello e antigo arvoredo, restos de antigos tanques e cascatas tudo deteriorado e como abandonado.

Eis em resumo a descripção das freguezias que constituem o concelho do Seixal o qual está cingido pelo de Almada ao norte e noroeste pelo de Cezimbra a oeste e soeste pelo sul por o de Azeitão pelo norte em parte e pelo nascente pelas águas do Tejo. O terreno é accidentado argilo-arenoso predominando mais na grande maioria da extensão o ultimo principio. É muito próprio para vinha sem deixar de ter aptidão para outras culturas, Arvores d espinho e caroço dão se em alguns sítios excellentemente. Os legumes e cereaes também se criam menos mal segundo o favor da estação. A propriedade está muito dividida. A videira é o género escolhido e preferido para as plantações intermeiadas e orladas d’árvores de differentes géneros e espécies. Pelo meio das vinhas semeia-se milho e feijão. Os fructos são excellentes a uva é especial e produz vinho magnifico para exportação. Os outros fructos são muito procurados, a laranja talvez seja a primeira que sae para os portos de Inglaterra. O terreno com quanto não d’uma fertilidade admirável comtudo se não ainda luctando com as epidemias vegetaes indenmisava bem o lavrador do seu constante e arduo trabalho. A producção do vinho que era donde o lavrador esperava o reembolso e remuneracão hoje reduzida a 1/5 ou ¼. De um mappa official obtido da administração se pode ver a somma productos mais importantes deste concelho 508 pipas ha dez ou doze annos era de 3 000, azeite 35, trigo 4 668 alqueires, milho 31 476 ditos, centeio 1926, cevada 988, feijão 7 500, fava 30, grão de bico 106, laranja 1 777 milheiros ou 1 161 caixas inglezas, limão 4 milheiros, lã 168 kilogrammas, mel 143, cera 20. Há também um producto importante em lenha de pinho que é uma das arvores florestaes que melhor se dá aqui e de que há grande quantidade de sorte que os pinhaes formam um cerco ás quatro freguezias.

As aguas d’este sitio são excellentes em quasi todas as quintas. No Seixal há um unico poço de boa água e abundantes nascentes. Na Arrentella há outro porém não é tão bom. Na aldeia de Paio Pires também se extrahe de um único poço porém muito assalobrada. Usam d’ella para lavagens para beber vão buscá-la ás quintas particulares. A Amora tem bella água que rebenta continuamente por de um muro junto á praia O povo provêm-se d’ella nabaixa mar porque a maré quando está em meio cobre a nascente. A câmara municipal já está auctorisada para remediar este inconveniente e necessita também de augmentar a quantidade d’agua nas freguezias e procurar outra melhor na aldeia de Paio Pires.

Os habitantes do Seixal são repetimos quasi todos pescadores. Para mais nada tem aptidão donde lhe provém ficarem expostos á miséria nos invernos tempestuosos. Os das outras freguezias são laboriosos. Desde crianças que vão habituados aos trabalhos do campo e é raro que se destinem para outros misteres e nenhum que eu saiba para as letras.



A salubridade do concelho na maior parte do anno é regular. De julho até outubro e novembro apparecem as febres intermittentes e remittentes de todos os typos e generos assolando os trabalhadores e as povoações mais visinhas dos arrozaes que se tem feito nestes últimos annos em larga escala nos concelhos limitrophes. O augmento e a perniciosidade d’estas febres tem se declarado na razão directa do incremento que tomaram os arrozaes e do descuido da limpeza das vallas nos logares brejoeiros. Há bem fundadas esperanças de melhorar a saúde publica quando se transformar em lei vigente o projecto do respectivo ministro fundado num extenso relatório onde a sciencia, a razão e os factos escrupulosamente apreciados por uma competentíssima commissão elaboraram a sentença condemnatoria.

A villa do Seixal pelo seu acanhamento pela péssima construcção das casas, pela densidade da população, pela natural disposição para o pouco aceio e limpeza era muito sujeita a epidemias. Depois que as autoridades mandaram calçar as ruas e fazer a limpeza dellas com uma tal ou qual regularidade e que os habitantes tem sido por vezes admoestados para observarem as regras hygienicas compativeis com o seu estado é que se tem ganho muito e mais se ganharia se os habitantes na sua grande maioria não reincidissem na infracção das admoestações e mesmo das posturas municipaes.

A falta de educação não lhes deixa perceber a vantagem da austera observância dos preceitos da limpeza do corpo, das casas e das ruas».

O logar da Arrentella donde esta fabrica tomou o nome por alli estar situada tem origem descouberida quanto a sua etymologia. Uns dizem que por ser terra levantada e despenhada para a parte do mar lhe chamaram os antigos Arrectatellus outros que já se denominou Arrentella por causa de estar em sitio levantado onde commummente reinam os ventos Alguns poremm dizem que se deve ser Arrentella por ter muitos arenosos 0 certo é que desde muito tempo se chama Arrentella.

Por ser logar mui abundante de águas e à beira do Tejo estabeleceu alli um Audré Durrieu no principio deste século um lavadoiro de lãs acrescentando o seu estabelecimento com armazéns casas e brejos que aforou aos frades do Carmo senhorios de parte daquelles terrenos.

Em 1831 comprou o governo ao referido Durrieu esta propriedade por três contos de réis para alli estabelecer uma fábrica de mantas para o exército.

Esta fábrica não durou muitos annos, os armazens arruínaram-se até que se venderam juntamente com outros bens dos frades a João Rodrigues Blanco que a renovou para alli estabelecer uma fábrica de estamparia de algodões a qual prosperou por muito tempo até que decaiu com a alteração dos direitos da pauta.

Esteve fechada por alguns annos e em 1855 o sr. Júlio Caldas Aulete formou uma parceria mercantil para alli fundar uma fábrica de lanifícios com o capital de 160:000$000 rs em acções de 100$000 rs. Começaram logo as edificações necessárias compraram-se machinas para trabalhar a vapor e em 1858 começou a fabricar produzindo logo no primeiro anuo 10.650 metros de pannos pretos, azues e mesclas.

Em 1859 entrou para gerente administrador desta parceria o sr. Manuel Egreja que lhe deu grande impulso e tanto que nesse anuo produziu a fábrica da Arrentella 21.475 metros das mesmas fazendas e diversas casimiras de côres.

No anno de 1861 já os productos tinham adquirido tal perfeição que esta fábrica mandou á exposição industrial do Porto um variado sortimento de pannos aveludados casimiras e castorinas de diversas cores mesclas finas e ordinarias tudo escolhido no seu depósito e não expressamente fabricado para a Exposição. Também remetteu juntamente varias amostras de fio de lã de diversas côres.

Esta fabrica foi uma das premiadas n’esta Esposição.

No mesmo anuo de 1861 produziu a fabrica da Arrentella perto de 40.000 metros dos diversos tecidos já mencionados.

Para elevar o seu capital a 200:000$3000 rs foi a parceria da Arrentella transformada em companhia por escriptura de 10 de maio próximo passado. Tem esta fábrica uma excedente machina de vapor da força de 48 cavallos que trabalha continuamente com toda a sua força. É obra da officina nacional do sr Colbires e a primeira que se fez em Portugal.

Tem mais 6 machinas de fiação com 1.500 fusos, 32 teares mechanicos além dos teares niauuaes diversas machinas de lavar cardar urdir lustrar e outras para tinturaria ludas aperfeiçoadas Possue além d isto as necessarias clTicinas de serrai heria e carpintaria etc.

Calcula-se em 150 rontos de réis o valor dos edificios machinas utensilios lã em deposito ete 0 edilicio que mostra a nossa gravura é o da fabrica separado das outras offieiuas Consta de tres pavimentos Ao terreo está o motor o lavadoiro ea tinturaria No segundo os teares no terceiro a fiação e trabalhos de acabamento.

Emprega diariamente termo médio 160 operarios entre homens mulheres rapazes e raparigas.

Este trafego tem aviventado o legar da Arrentella dantes Ião pobre e inculto por faRa de trabalho para a maioria da povoação.

As lãs que alli se consomem são do termo de Lisboa do Alemtejo de Hespanha de Buenos Ayres e de Alemanha toda de boa qualidade de que tem sempre grande deposito.

Muitos productos d esta fabrica rivalisam já com os das estrangeiras e de dia para dia se aperfeiçoam.

A presidencia da direcção da nova companhia foi confiada pela assembléa geral ao sr Manuel Egreja poderoso capitalista que apesar de ser subdito hes panhol é um dos mais zelosos e benemeritos promotores da nossa industria 0 grande capital que tem empregado n esta fabrica o desvelo e intelligenciacom que a tem feito progredir promette um esperançoso futuro a este estabelecimento e vantajosos lucros aos accionistas.

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